terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Carne pura


À todas as máquinas de moer corpos e fragilizar mentes...

SP. 2/12/2008

Acredito que só através do corpo existe libertação. É nele que o mundo encontra o combustível necessário para continuar elevando o ritmo da bolsa, o balanço de pagamentos, o superávit na balança comercial. Só o corpo, com todas as suas armas, produz o ritmo que é preciso para deixar as pessoas felizes. Só na sensação do gozo, o mundo se transforma, disfarçado na pele de chefes poderosos, grandes investidores e mercenários torpes.

É pela força do corpo que se geram os altos cargos, abrem-se novas vagas, aumentam-se os salários. Vem, aperta minha mão, me leva pra onde você quiser. Eu já não encontro outro caminho que não seja pela entrega do corpo. Vem, se alimenta, bebe do meu viço com toda a sua gana, gaste sua grana, não deixe nada pra amanhã.

Viva tudo.

É dessa noite que eu vou tirar o meu o sustento e alimentar meus filhos. Minha vida é rotineira: acordo, lavo, passo, mando as crianças pra escola, Nessas horas, há uma pontinha de alma que escapa na luz da manhã e me seduz. Sou criança ainda.

Mas à noite, sou só corpo. Seduzo apenas. Sou impiedosa. Já não creio que haja salvação fora da lógica da carne. O mundo revela-se assim, na sua mais primitiva esfera. È na prisão do corpo que as almas se libertam.

Sinto isso, como uma fonte inesgotável de possibilidades. E no prazer do momento, sorvo do eterno retorno da vida. Quanta bobagem acreditar em algo paralelo.

Existem duas coisas claras em minha vida: a hora de acordar e pegar no batente. E à noite, quando, com o olhar lânguido, entro em quartos que nunca quis dormir. E só.

De dia, sou contida. À noite me transformo na mais perigosa cortesã. Sou máquina.

Mas, vem. Aperta minha mão, me paga uma bebida. Sem esperar nada. Apenas se deleite com a fantasia de me ter um pouco. Meu sim dura pouco mais de um segundo. “Você e esse seu jeito de Capitu”, adorei quando me falou dessa forma. Sim, a eterna sedutora machadiana.

Mas não se arraste por mim. Não vale a pena. Quero ser apenas o veículo que te aproximará do mundo real, onde você experimentará a sensação do toque. O mundo da carne pura, onde a felicidade vem disfaçada de vida, e não há sublimação. Uma esfera onde poucos chegam, mas todos almejam.
Onde há morte, dor e júbilo.

Agora chega. Me pague a conta.
Te desejo boa sorte. O mundo é corpo.

Um comentário:

Marcão disse...

COM O CORPO

este corpo é meu e ele me basta
para fazer dele o que bem me interessa
desesperado ou mesmo assim, sem pressa
ele me locomove
e se move à beça

pulando, correndo, gozando
dançando, nadando, fodendo
este corpo me basta
pelo pouco que entendo

me basta para andar a esmo
para deitar na areia
para rolar na cama
para acompanhar enterro

é meu e basta que seja assim
sem possibilidade de dúvida ou erro

.
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(20/2/2003-Sobral-CE)

Me pareceu que poderia haver alguma analogia. Ou não.